Hermes
Bernardi Jr.
Recentemente
foram veiculadas na imprensa as manifestações de Fabrício Carpinejar e AGES
- Associação Gaúcha de Escritores - implicando a 27a. Feira do Livro de
Bento Gonçalves. A manifestação iniciou no Facebook e foi mal interpretada
por muitos leitores desatentos e não leitores.
A
manifestação de desagravo do escritor Marcelo Spalding, quem iniciou o
debate no Facebook, referia-se à discrepância dos valores dos autores
convidados, para os quais a Coordenação da Feira havia oferecido o
cachê de R$350,00 alegando que este era o cachê padrão. Para outros,
vimos a saber no debate via mensagens de um pequeno grupo de autores,
o valor seria de R$1.000,00 e R$800,00. Certo é que cada autor tem seu
preço. Cada autor aceita ou não a sua participação como melhor lhe convier
pelo valor que ele mesmo dá ao seu trabalho, muitas vezes bem longe dos
afagos da mídia nacional.
O que
nos saltou aos olhos foi a informação de que o valor era padrão. Não era.
Eu mesmo não irei à feira por nenhum destes valores. Irei através do IEL,
em agenda que me foi solicitada pelo Instituto Estadual do Livro para
visita a uma escola. Só vim a saber que integraria a programação da feira
através de livreiro de Caxias do Sul que me assegurou de minha ida há uma
semana atrás. Liguei para a coordenação da feira e soube que, sim, eu
estava agendado para o evento. Surpresa! Mais uma informação equivocada.
Logo em
seguida, a mídia divulgou a carta aberta de Fabrício Carpinejar onde o
autor cancelava de sua ida ao evento e esclarecia seus motivos. Ele tem
mais acesso à imprensa do que nós. Era justo.
A
seguir, a AGES, Associação Gaúcha de Escritores que há trinta anos criou a
prática de cobrar cachês para autores no Rio Grande do Sul, prática esta,
diga-se, desejada por muitos autores de outros Estados que não têm por
hábito - ou ainda não se mobilizaram - cobrarem por suas participações em
eventos de literatura e visitas à escolas, saiu em defesa do leitor e de
nós, autores. A AGES defendeu mais investimentos em livros e atividades
melhor remuneradas nas feiras. Muitos aplausos aos nossos iguais.
Não
bastasse toda a repercussão de mídia que a referida Feira conseguiu – Sim,
porque mídia negativa é gratuita e pode virar uma mídia positiva - agora o
referido patrono desiste do cachê e a prefeitura divulga os custos
discriminados das atividades que o patrono realizaria. Aproveitando o clima
de união dos autores que se instaurava, mobilizando-nos contra a iniciativa
da Feira de Livros de Bento Gonçalves, o rapaz posa de bom moço, inclusive
dizendo em entrevista no Rio de Janeiro que isto era “briga de gaúcho”. O
patrono fez do limão uma limonada e vai bebê-la junto ao prefeito em
vésperas de eleição.
É
preciso dizer que em nenhum momento, nós, autores de uma literatura sem
territorialidade e sem fronteiras, brigamos pelos valores que o sujeito
receberia. Indagávamos o porquê de um evento que tem uma história de
dificuldades para sua permanência, pagar tanto à música e à distribuição
gratuita de livros em detrimento da oferta de cachês tão baixos aos outros
autores convidados. Este era o exato ponto sobre o qual refletíamos e
questionávamos.
Pensemos,
como fez o patrono, se esta não foi uma bem articulada tacada de mestre.
Denegriram a imagem do Estado e, principalmente dos autores que aqui vivem,
escrevem e participam há anos de eventos literários na perspectiva da
qualificação do leitor e da formação de uma mercado consistente. Parece-me
que estamos vivendo novamente a situação do colonizado, que precisa do
colonizador trazendo seus espelhinhos para que nos enxerguemos. E parece
que querem que nos vejamos feios.
Li, na
mídia eletrônica, inúmeras manifestações de apoio ao patrono, pela sua
exemplar atitude de renunciar aos valores. Viraram o jogo. Calaram-nos.
Fazem com que nós, autores e operários reais da literatura e da
qualificação do leitor, pareçamos bando de enciumados por causa de grana.
Não, não estamos com ciúmes. Não temos tempo para isto. Temos muito a
escrever. Estamos, como bem disse a AGES em seu comunicado, preocupados com
o destino das verbas que bem poderiam ser usadas na formação de mediadores
de leitura, em acervos para as bibliotecas da cidade, para mais atividades
ao redor de e para a leitura ao povo bentogonçalvense, que carece de ações
mais bem articuladas entre prefeitura, secretaria de cultura e de educação,
assim, minúsculas, haja visto não tenham tido vergonha de divulgar que
foram omissas no processo de decisão sobre a destinação dos valores.
Simplesmente acataram. O que nos prova que esta é uma administração
vertical, baseada em modelos mofados, em que um ordena e os outros cumprem
calados. Ou seja, uma administração sem diálogo, imersa na maresia das
ideias.
Prova
também disto é que aos autores convidados não foi dada a possibilidade de
diálogo. O prefeito não quis nos ouvir. Reuniu-se em sala fechada com o
patrono e decidiram que o patrono desistiria do show e da venda de seus
livros. Dois mil livros distribuídos formaria filas e muitas fotos
registrariam o feito para a imprensa. Ganham a administração e o autor, que
no imaginário construído pela ótica mastigada das relações humanas
televisivas se renderia aos propósitos eleitoreiros, como se tivesse
sido escolha do leitor por esta literatura.
O atual
patrono posou para fotos, confortavelmente reclinado sobre a cadeira, com
os pés sobre a mesa, sorrindo, típico de quem sabe e convive muito bem com
as articulações de mídia podendo, inclusive, espreguiçar-se sobre ela. Uma
afronta ao nosso trabalho. Uma afronta ao trabalho ao redor da literatura
que vimos construindo juntos no Rio Grande do Sul, um campo fértil ao olhar
e atitudes de natureza imperialista e colonizadora.
Nós não
queremos briga, senhor patrono. Queremos respeito pelo nosso ofício e
cachês adequados ao trabalho de alimentar o imaginário do leitor, este sim,
o show merecedor de muito mais do que cento e sessenta mil reais, num país
acostumado a bundas e peitos à venda e em exposição nas bancas de revistas.
O
espetáculo foi armado em lona muito usada pelos veículos de comunicação. O
prefeito e o patrono, aos quais recuso-me a citar os nomes para não lhes
dar mais espaço de divulgação, agora posam de bons moços. Um, quando
desiste diante das câmeras da imprensa nacional de seus valores; outro, que
trata de promover suas intenções de formar pequenos futebolistas em seu
município aproveitando-se da mídia que o fato desrespeitoso estava
rendendo. A nós, autores, operários da palavra, sem acesso a câmeras e
holofotes globais, coube a imagem forjada de vilões.
Nós,
autores, não nos calamos. Nós, autores, queremos que façanhas como as
praticadas pela prefeitura de Bento Gonçalves não sirvam de modelo a toda a
terra. Façanhas como esta não podem ser multiplicadas, esvaziando a terra
de tudo o que vimos plantando a bem do nosso leitor e de um olhar mais
crítico ao viver em sociedade e trabalhar em favor dela.
Não se
trata de “briga de gaúchos”, senhor patrono. Trata-se de um debate muito
profícuo e maduro a respeito de qualificar leituras, a respeito da
profissionalização do autor, aquele que vive de sua escrita e que construiu
estrada bem pavimentada por onde o senhor agora desfila a fim de realçar
toda a sua posterior generosidade. Teria sido mais digno recusar-se ao
exorbitante cachê, antes. Certamente nós, autores e sociedade em geral,
aplaudiríamos a sua atitude que refletiria seu apreço pela leitura e por
tudo o que fazemos aqui a bem do nosso leitor e em nada afetaria a sua
imagem, e não precisaríamos tentar limpar os respingos que sua
atitude provocou ao nosso ofício.
Hermes
Bernardi Jr. é escritor e ilustrador de LIJ
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Oi!
ResponderExcluirVim indicada por José Cláudio, de quem vc vai publicar o próximo livro. Desde já sucesso e parabéns aos dois pela parceria, que esse livro se abra muitas vezes em asas e ponha asas na alma de muita gente.
Eu fiz um post no dia do trabalho onde falei do meu desejo de ser escritora e ilustradora. E ele me falou de sermos conterrâneas, do seu interesse pelos livros e arte e da Pimenta malagueta, nem poderia contar quantas vezes fui chamada assim :)
Desde já e antes de mais nada, acompanharei essa pimenteira.
Pois bem, sou baiana e ariana, com raízes espanholas e com um blog que foi criado parafraseando Clarice, porque "eu vou me acumulando, me acumulando, me acumulando, até que não caibo em mim e estouro em palavras". Desde a criação pensei em transformá-lo em um livro como a história do Marley e Eu.
Também estouro em traços, desenhos, colagens, filosofias e poesias.
Amei vc de cara, por esse primeiro texto que li e pelo seu cantinho na imagem da última foto do post. Por ser baiana tb e tb pelos seus cabelos brancos.
Sonho com bicicletas com sonhos subjacentes em Ferraris, quem sabe ter chegado até aqui não seja um caminho para meus sonhos ou para o que sonho além deles?
Prazer em conhecer, passearei por seus posts, palavras, pensamentos e sentimentos e te convido a passear lá meu mundinho.
Amigos de Cacá,meus amigos são.Sabe aquele ditado árabe:"Eu só tenho
ResponderExcluirtrês amigos;meu amigo,o amigo do meu amigo e o inimigo do meu
inimigo.E só tenho três inimigos:meu inimigo,o inimigo do meu amigo e
o amigo do meu inimigo."rsss
Vou visitá-la e desde já se consider "do peito".Baiano é assim
mesmo,exagerado,vc sabe.
E espero vir a fazer o seu livro.3 pimentas juntas eu,vc e a
Malagueta,ninguém merece.Vamos arrasar. bjs
Oi amiga, bom dia! Que quiproquó esse lá no RS, hein? Ultimamente valor, valor, mesmo, estão tendo peitos, bundas, pagode e sertanejo.
ResponderExcluirVamos escrevendo, é a nossa militância nobre.
abraços. Paz e bem.